Uma empresa portuguesa, com certeza: salários ilegais e despedimento colectivo encapotado
A crónica de um despedimento anunciado começou em Janeiro, numa sexta-feira em que eu faltei ao trabalho por estar doente. O Conselho de Redacção (visto que, no jornal onde trabalho, não existe comissão nem delegado sindical) foi chamado ao gabinete do António Costa, director do Diário Económico e soube que iam ser despedidas pessoas, entre as quais um número ainda indeterminado de jornalistas, porque o grupo Económico tinha de passar por “uma poupança da ordem dos dois milhões de euros durante o ano de 2012”. O António Costa explicou que “este ajustamento foi explicado pela expectável queda de 10 a 15% das receitas de publicidade, nas receitas de vendas e também noutras áreas de negócio”, uma quebra que ainda não se verificou mas que é calculada pelo grupo para 2012. Isto apesar de “o Diário Económico ter alcançado, de Setembro a Dezembro de 2011, as melhores audiências de sempre”.
Soube, portanto, por um telefonema da minha editora que ia haver despedimentos. Na semana seguinte, o António Costa ia começar a chamar gente para lhes comunicar que iam sair e depois o processo de negociação seria entregue aos recursos humanos. A minha vez chegou na terça-feira seguinte. O director comunicou-me que o despedimento não tinha nada a ver com a qualidade do meu trabalho mas com a necessidade da empresa de reduzir custos. Custos que não podem, de forma alguma, ser cortados nos salários milionários das estrelas que o Económico foi contratando ao longo de 2011 ou dos seus oito directores e sub-directores, que além disso têm carros de alta cilindrada pagos pela empresa e três secretárias que ganham mais do que muitos jornalistas juntos. Eu comuniquei-lhe que não tinha nada que lhe dizer e que depois falaríamos.
Nos recursos humanos, apresentaram-me uma proposta a condizer com o salário de miséria (com subsídio de alimentação, 500 euros) que me pagaram durante quatro anos: um mês de salário por cada ano passado na empresa. Entretanto, um grupo de jornalistas e outros trabalhadores do Diário Económico, eu incluída, tinha decidido ir ao Sindicato dos Jornalistas falar do que estava a acontecer. O advogado do sindicato não foi muito animador em termos de promessa de luta: vamos ser despedidos, façamos o que façamos. Mas sempre podemos pedir indemnizações mais altas, o que tem sido conseguido por jornalistas de outros meios de comunicação social está entre os 1,3 e 1,5 salários por ano. Sobretudo, os nossos salários são ilegais… Primeiro, porque o vencimento base está abaixo do salário mínimo nacional. Segundo, porque não respeitam as tabelas salariais dos jornalistas.
São mais de vinte as pessoas a serem despedidas do Económico, algumas com 20 anos de casa. Apesar de o António Costa ter dito que “tomaram em conta preocupações sociais”, pelo menos um dos despedidos é um pai de dois filhos cuja mulher já está desempregada. Todos os despedimentos foram tratados de forma individual, como “rescisões amigáveis”, apesar das condições oferecidas a cada um serem exactamente as mesmas: um despedimento colectivo encapotado.
Ninguém quer lutar pelo seu emprego, todos querem sair. Apesar do ambiente ser mau “lá fora”, dentro da empresa consegue ser pior. Desde que a Ongoing comprou o Semanário Económico e o Diário Económico, esta deixou de ser a nossa casa para passar a ser mais uma empresa portuguesa: um lugar de escravidão e caciques.
Actualização: Entre Janeiro e Março, sindicalizei-me e soube que teria direito a mais de 9.000 euros de indemnização por me pagarem abaixo do salário mínimo durante o tempo que trabalhei na empresa. Saio, assim, do Diário Económico um pouco mais remediada. Mas continuo com a estranha impressão que eles lucraram muito mais com o meu trabalho do que aqueles milhares de euros… E começaram já os rumores de que o jornal vai fechar e de que todos os jornalistas irão para a rua. A campanha do medo para que todos os “amigavelmente despedidos” aceitem os acordos baixíssimos que lhes propõem está, ainda, em curso.